Pequeno trecho do primeiro capítulo do livro Porque não sou cristão de Bertrand Russell , um dos mais influentes matemáticos, filósofos e lógicos que viveram no século XX. O texto é de uma palestra proferida em 6 de março de 1927, na Prefeitura Municipal de Battersea, sob os auspícios da Seção do Sul de Londres da National Secular Society. Em 1950 Bertrand Russell ganhou o Premio Nobel da Literatura, «em reconhecimento de numerosos trabalhos da sua autoria em que se defendem os ideais mais elevados».
A existência de Deus
Esta questão da existência de Deus é assunto longo e sério e, se eu tentasse tratar do tema de
maneira adequada, teria de reter-vos aqui até o advento do Reino dos Céus, de modo que me
perdoareis se o abordar de maneira um tanto sumária. Sabeis, certamente, que a Igreja Católica
estabeleceu como dogma que a existência de Deus pode ser provada sem ajuda da razão. É esse um
dogma um tanto curioso, mas constitui um de seus dogmas. Tiveram de introduzi-lo porque, em
certa ocasião, os livre-pensadores adotaram o hábito de dizer que havia tais e tais argumentos que
a simples razão poderia levantar contra a existência de Deus, mas eles certamente sabiam, como
uma questão de fé, que Deus existia. Tais argumentos e razões foram minuciosamente expostos, e a
Igreja Católica achou que devia acabar com aquilo. Estabeleceu, por conseguinte, que a existência
de Deus pode ser provada sem ajuda da razão, e seus dirigentes tiveram de estabelecer o que
consideravam argumentos capazes de prová-lo. Há, por certo, muitos deles, mas tomarei apenas
alguns.
O argumento da Causa Primeira
Talvez o mais simples e o mais fácil de compreender-se seja o argumento da Causa Primeira.
(Afirma-se que tudo o que vemos neste mundo tem uma causa e que, se retrocedermos cada vez
mais na cadeia de tais causas, acabaremos por chegar a uma Causa Primeira, e que a essa Causa
Primeira se dá o nome de Deus).
Esse argumento, creio eu, não tem muito peso hoje em dia, em
primeiro lugar porque causa já não é bem o que costumava ser. Os filósofos e os homens de ciência
têm martelado muito a questão de causa, e ela não possui hoje nada que se assemelhe à vitalidade
que tinha antes; mas, à parte tal fato, pode-se ver que o argumento de que deve haver uma Causa
Primeira é um argumento que não pode ter qualquer validade. Posso dizer que quando era jovem e
debatia muito seriamente em meu espírito tais questões, eu, durante longo tempo, aceitei o
argumento da Causa Primeira, até que certo dia, aos dezoito anos de idade, li a Autobiografia de
John Stuart Mill, lá encontrando a seguinte sentença: “Meu pai ensinou-me que a pergunta ‘Quem
me fez?’ não pode ser respondida, já que sugere imediatamente a pergunta imediata: ‘Quem fez
Deus?’” Essa simples sentença me mostrou, como ainda hoje penso, a falácia do argumento da
Causa Primeira. Se tudo tem de ter uma causa, então Deus deve ter uma causa.
Se pode haver
alguma coisa sem uma causa, pode muito bem ser tanto o mundo como Deus, de modo que não
pode haver validade alguma em tal argumento.
Este, é exatamente da mesma natureza que o ponto
de vista hindu, de que o mundo se apoiava sobre um elefante e o elefante sobre uma tartaruga, e
quando alguém perguntava: “E a tartaruga?”, o indiano respondia: “Que tal se mudássemos de
assunto?”. O argumento, na verdade, não é melhor do que este. Não há razão pela qual o mundo
não pudesse vir a ser sem uma causa; por outro lado, tampouco há qualquer razão pela qual o
mesmo não devesse ter sempre existido. Não há razão, de modo algum, para se supor que o mundo
teve um começo. A ideia de que as coisas devem ter um começo é devido, realmente, à pobreza de
nossa imaginação. Por conseguinte, eu talvez não precise desperdiçar mais tempo com o argumento
acerca da Causa Primeira.
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Ora Ana, esse ainda não conhecia, obrigada por disponibilizar, só pelo trecho já gostei da prosa!
ResponderExcluirShirley
ResponderExcluirTenho esse livro que baixei já alguns meses, mas, não li todo ainda. Encontro uma certa dificuldade para ler livros pelo computador devido ao desconforto por ter que estar por um bom tempo sentada e de olhos grudados na tela. Ler em livro tradicional é muito mais confortável, a gente pode estar sentada ou recostada num sofá, afinal é um livro como os outros no conteúdo, mas é preciso muita disposição para suportar um tempo normal de leitura numa só posição.
Mas, ler Bertrand Russel é gratificante em qualquer ocasião.
Um abraço